Uma breve Historia dos indigenas do Brasil - Page 14 - A colonização das Américas - A vida e os costumes dos povos indígenas do Brasil, seus destinos, sua história - a colonização do Brasil e o contato entre brancos e indígenas 9 2 A pré-história dos povos indígenas do Brasil De maneira simplificada, a pré-história do Brasil pode ser dividida em dois períodos: o período pre-cerâmico, também chamado período arcaico e o período das culturas de cerâmicas. Além disso, vale ressaltar o caso especial das culturas Amazônicas. 2.1 O período arcaico O período arcaico se estende aproximadamente dos anos 11 mil a 2,5 mil antes da nossa era. As diversas populações (conhecidas como paleoindios) que povoavam o Brasil nesse período eram caçadores-coletores, que não conheciam a cerâmica e praticavam uma agricultura rudimentar. Neste vasto território, os homens do período arcaico se adaptaram de formas diversas, de acordo com as áreas geográficas onde se encontravam. Sul do Brasil: No sul do Brasil desenvolveram-se duas Tradições chamadas Umbu e Humaitá. Esses povos eram caçadores-coletores, praticando talvez uma agricultura de subsistência (coivara). Talhavam ossos e pedras para transformá-los em ferramentas. Planalto Central: Sobre o planalto central e a região Nordeste, caraterizada por savanas semiáridas, desenvolveram-se várias Tradições de pinturas rupestres, entre os anos 7 mil e 4 mil a.C. Dentro elas a Tradição Planalto que tem como característica pinturas monocromáticas representando animais (zoomorfos); estas obras rupestres se encontram em perto de cem abrigos e cavernas, hoje preservadas e protegidas. Já a Tradição Nordeste, de características semelhantes, com pinturas monocromas zoomórficas, possui representações antropomórficas (figuras humanas). A Tradição São Francisco, datada do final do período arcaico (2.500 a.C.), que se desenvolveu ao longo do Rio São Francisco, é dominada por símbolos geométricos monocromáticos e policromáticos. (3). Litoral meridional: Na costa meridional do Brasil atual desenvolveu-se a surpreendente Tradição dos Sambaquis. Um Sambaqui (termo de origem Tupi que significa “montanha ou depósito de conchas”) é um amontoado de conchas e ossos de peixes. Esses casqueiros foram sendo construídos, em sucessivas camadas, por diversos grupos humanos que habitavam vários pontos do litoral brasileiro, especialmente no sul do país. Com o fim do período glacial cerca de 12 mil anos atrás e a lenta e gradual elevação do nível do mar, o litoral que se estende do atual Estado do Espírito Santo ao Rio Grande do Sul tornou-se mais acessível e passou a ser ocupado por povos que se alimentavam de frutos do mar. Embora também caçassem pequenos animais (macacos, antas, gambás, tartarugas, por exemplo) e colhessem frutos silvestres, esses povos comiam principalmente peixes e moluscos (ostras, mexilhões, berbigões etc.). Como essa fonte de alimentos nunca se esgotava, eles permaneciam durante milênios no mesmo lugar, perto das praias ou dos mangues. As conchas dos moluscos eram abertas no fogo e abandonadas no local, acumulando-se ao longo do tempo; o consumo era tão grande e regular que o acúmulo das conchas acabou se transformando em pequenas colinas. A altura média desses sambaquis era de 5 a 10 metros, mas alguns deles chegaram à incrível altura de mais de 25 metros, ou seja, o equivalente a um prédio de 9 andares! Esses morros de conchas tinham geralmente uma forma alongada, com comprimentos variando de 50 até 200 metros e larguras entre 20 e 60 metros. O volume médio dessas colinas era de cerca de 5.000 m³, mas algumas chegaram a centenas de milhares de m³! 10 A formação dos sambaquis começou há cerca de 8-9 mil anos, até a chegada dos índios TupiGuarani à região por volta de 2 mil anos atrás. Pouco se sabe sobre o intervalo de tempo entre o início da formação de um depósito de conchas e o abandono do sambaqui constituído. No entanto, escavações conduzidas por arqueólogos sugerem que grandes sambaquis como o Jabuticabeira-II, em Jaguaruna (SC), esteve ativo pelo menos durante mil anos. Esse sambaqui é um dos mais recentes, já que a formação do sitio teria começado cerca de 2.900 anos atrás, e foi abandonado há cerca de 1.860 anos atrás, no século II. Sambaqui na praia de Ypuã, Laguna, SC. (Autor da foto: Joannis Mihail Moudatsos, 2013) (iii). Durante muito tempo, os pesquisadores imaginavam que os sambaquieiros viviam em cabanas instaladas em cima desses morros, sobre o próprio lixo, hipótese defendida por muitos arqueólogos. Conchas, ossos de peixe, lascas, ferramentas, esqueletos e buracos de estaca, todos esses elementos misturados seriam indícios de que esses homens não separavam os ambientes destinados a ações como comer, despejar o lixo, sepultar os mortos. Recentemente, no entanto, os estudiosos fizeram novas pesquisas, mudaram de ideia e apontaram outros cenários. De acordo com um deles, os sambaquieiros poderiam viver em uma parte específica dos morros e depositar os restos de comida (ossos e conchas) em outra. Outras pesquisas mais recentes demonstram que as conchas poderiam estar presentes em um determinado local por diferentes razões, não apenas como restos de alimentação; ao contrário, os sambaquis poderiam ter sido marcos intencionais, certamente imbuídos de uma carga simbólica significativa, com grande visibilidade e destaque na paisagem. Esses novos estudos mostram também que os sambaquis serviam para rituais, particularmente os ritos do sepultamento. As escavações conduzidas pela arqueóloga Maria Dulce Gaspar no extenso sambaqui Jabuticabeira-II sugerem que ele era usado apenas como cemitério. Calculou-se que estejam ali aproximadamente 43.800 corpos enterrados, ou seja, 1.575 sepultamentos por geração de 25 anos durante 700 anos, período estimado durante o qual o ritual de sepultamento teria sido realizado nesse sambaqui. Com uma altura variando entre 6 e 9 metros, um comprimento de cerca de 350 metros e uma largura de 150 metros, o Jabuticabeira II tem um volume calculado em 320 mil m³; as escavações realizadas mostraram uma densidade de sepultamentos de um corpo para cada 1,4 m³, de onde foi estimado o número de 43.800 sepultamentos ((4)). Hoje, quase não existem mais sambaquis intactos no Brasil. Isso aconteceu por vários motivos: os mais antigos sambaquis foram cobertos pelo mar como resultado da elevação do nível dos oceanos após o fim da última glaciação (aprox. 12 mil anos antes do presente - AP). Adicionalmente, quando os colonizadores portugueses e espanhóis povoaram as regiões meridionais do Brasil, eles utilizaram o material dessas montanhas de conchas para transformálo em cal, com o qual quase todas as casas daquela época foram construídas. Esse material foi também utilizado para pavimentar as ruas das vilas e pequenas cidades da região. Ainda hoje 11 existem pequenas “fábricas” de cal instaladas ao lado de alguns dos grandes sambaquis. Os raros sambaquis intactos se encontram nos Estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina e São Paulo (5), ((6)), ((7)). Duas fotos de um mesmo sambaqui, (Figueirinha I) localizado em Jaguaruna (SC). A imagem à esquerda mostra o sambaqui ao longo do seu comprimento, de frente para o mar; a imagem à direita mostra o sambaqui ao longo da sua largura. A altura máxima é de 18 metros; podemos estimar uma largura de 5060 metros e um comprimento de aproximadamente 70-80 metros, que resultaria num volume de cerca de 25-30.000 m³. (iv) 2.2 As culturas da cerâmica A cerâmica apareceu por volta de 2.500 anos antes de nossa era, quase simultaneamente em todo o território brasileiro. O homem dos primórdios da cerâmica se tornou não só um caçadorcoletor, mas também um agricultor. No entanto, a mandioca e o milho só aparecerão mais tarde, trazidos pelas poderosas ondas migratórias dos Tupi-Guarani. Novamente, culturas e Tradições diferenciadas apareceram sobre este imenso território. Planaltos do Sul Nos planaltos do sul do Brasil e do Uruguai, se desenvolveu a Tradição Taquara-Itararé. As oleiras desta Tradição fabricavam vasilhas de fôrma simples e pequenas, com cerca de 20 a 30 cm de diâmetro, algumas pouco profundas e abertas, outras com até 40 cm de profundidade e paredes verticais. Os fundos eram sempre arredondados, e as paredes apresentavam por vezes furos de suspensão ou pequenas alças. As vasilhas eram geralmente de cor escura, raramente decoradas ao norte (de Santa Catarina até Itararé em São Paulo). Porém, as cerâmicas meridionais, como as do Rio Grande do Sul e das Missões argentinas, apresentavam muitas vezes uma superfície delicadamente decorada com impressões ponteadas, incisas ou beliscadas (8). Vasilhame cerâmico relacionado à Tradição Arqueológica Taquara-Itararé (Museu Paranaense, Curitiba, PR) Autor da foto: Zig Koch (v). 12 Esses povos da Tradição TaquaraItararé eram os ancestrais dos atuais povos Kaingang e Xokleng, conhecidos também como Povos das Casas Subterrâneas. Isso porque para protegeremse do inverno rigoroso que castigava as elevadas regiões do sul do Brasil, construíam suas casas de forma enterrada (subterrânea), mantendo-as, assim, protegidas das nevascas e dos ventos fortes e gelados que cortam o planalto. O teto era apoiado sobre estacas: uma estaca principal no centro, que descia até o chão da casa, e estacas laterais que irradiavam do mastro central e se apoiavam na superfície do solo, na parte externa. Esse teto ficava pouco acima do nível do chão, garantindo ventilação, iluminação e passagem para os habitantes. Eram verdadeiras casas circulares, escavadas na terra. Suas dimensões eram variáveis, medindo entre 2 e 13 metros de diâmetro, e uma profundidade de 2,5 até 6 metros. A terra escavada era disposta em anel ao redor do buraco, com o intuito de desviar as águas pluviais. Em vários sítios arqueológicos encontram-se casas subterrâneas isoladas, mas também é comum encontrar conjuntos dessas casas formando verdadeiras aldeias de 5 a 10 casas, ou até mesmo de mais de 20 casas num mesmo lugar. O espaçamento entre essas casas varia de 1 a 10 metros (9). A habitação em casas subterrâneas perdurou por muitos séculos, provavelmente por um milênio; algumas dessas casas subterrâneas ainda existiam e eram ocupadas na chegada dos colonizadores portugueses e espanhóis que as chamavam de casas de bugre 7. Casa subterrânea (vi) Brasil central e costa do Sudeste A cerâmica também apareceu no centro do Brasil e na sua costa central, entre 4 a 5 mil anos atrás. Um exemplo deste período é a Tradição Una, cuja cerâmica não era decorada; no entanto, estes povos nos deixaram lindas pinturas rupestres. As análises e interpretações atuais levam a crer que esses povos já possuíam uma agricultura relativamente elaborada. 7 O termo “bugre” é pejorativo. O Grande Dicionário Aurélio diz: termo utilizado para designar o índio perigoso e endurecido, mas também inculto, no sentido de bárbaro, sem leis, enganador. A palavra vem, através do francês “bougre”, do latim medieval bulgarus, (búlgaro), seja: herético, não-cristão. No século XIX e início do século XX eram chamados bugreiros os caçadores de índios Kaingang e Xokleng do sul do Brasil. 13 2.3 Culturas e povoamentos da Amazônia A vasta bacia amazônica foi palco das culturas indígenas as mais sofisticadas antes da conquista portuguesa, e podem ser consideradas o berço da cerâmica no Brasil. Além disso, foi através desses povos da bacia amazônica que se propagou uma agricultura organizada e eficiente. O imenso território amazônico é composto por duas topografias distintas: as terras altas cobertas de florestas, geralmente pobres em nutrientes, e as terras baixas nas margens dos rios, regularmente inundadas e férteis. A densidade populacional dessa área era maior que em outras regiões do Brasil. Foi sobre essas terras baixas, bem como no litoral Atlântico, que se desenvolveu um grande grupo ceramista, formado de duas Tradições chamadas policroma e incisa-ponteada. A expressão cultural a mais importante dos indígenas da Amazônia é a cerâmica da ilha fluvial de Marajó, na foz do rio Amazonas, bem como a cerâmica do rio Tapajós nos arredores da atual cidade de Santarém. Os artefatos criados por estes evidenciam sociedades indígenas das mais avançadas do Brasil. Sobre esta vasta ilha de Marajó (48 mil km²), seguiram-se diversas culturas e Tradições; a primeira começou aproximadamente 1600 a.C., e a mais recente ocorreu entre os anos 410 e 1320 de nossa era. Essa última Tradição, conhecida como Tradição Marajoara, certamente representa o auge do desenvolvimento cultural da região; seu maior legado foram as esplêndidas cerâmicas policromáticas, decoradas com motivos geométricos, zoomórfos e antropomórfos ((10)). A produção da cerâmica era inteiramente organizada pelas mulheres das tribos, responsáveis por todo o processo, da escolha da argila à modelagem, da cozedura das peças à pintura dos objetos. Os povos da Tradição Marajoara tinham uma vasta representação artística de estatuetas, objetos utilizados pelos pajés em rituais (como as maracás), possuíam também grande variedade de recipientes para uso doméstico, assim como tangas de cerâmica, usadas por mulheres em cerimônias e ritos de passagem. Uma igaçaba, urna destinada à guarda de ossos dos mortos em cerimônias funerárias. Tradição Marajoara. Museu do Encontro, Forte do Presépio, Belém, PA (vii) Mais à montante do rio Amazonas, na foz do rio Tapajós viviam os Tapajó, o principal grupo indígena da região. O povoamento mais importante dessa tribo era localizado próximo da atual 14 cidade de Santarém. A cerâmica da cultura tapajônica se caracteriza pela representação de figuras humanas e de animais como urubus, pequenos batráquios, antas e macacos. Os objetos mais significativos da cerâmica de Santarém são os vasos de cariátides 8, os vasos de gargalo, assim como estatuetas e cachimbos (11). Vaso de Cariátide. Cerâmica tapajônica; Museu Paraense Emílio Goeldi. Belém, PA. (viii) Segundo os antropólogos, estas sociedades eram hierarquizadas; algumas eram organizadas em grandes aldeias (compreendendo também suas plantações agrícolas e seus cemitérios) dispostas em cima de vastos espaços de terra artificialmente erguidos com a finalidade de protege-las das inundações anuais. Pesquisas arqueológicas recentes demonstraram que a parte inferior do rio Amazonas era altamente povoada. Com isso foi possível uma drástica revisão sobre os números da população da América do Sul. Somente na bacia amazônica dessa época, calculou-se um número estimado entre 7 até 8 milhões de habitantes. 2.4 A cultura Tupiguarani No final dos anos 60, pesquisadores do Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas (PRONAPA), dirigido por arqueólogos norte-americanos encontraram numerosos sítios arqueológicos onde apareciam fragmentos de cerâmica decorada, algumas com traços vermelhos ou pretos pintados sobre engobo branco. Tais vestígios materiais foram classificados e reunidos sob o nome “Tradição Tupiguarani” em uma só palavra, indicando tratar-se de um conceito arqueológico ligado aos povos falantes das línguas Tupi-Guarani (com hífen). As datações através da técnica do C14 apontavam que esses artefatos teriam sido fabricados entre os séculos V e XV. No entanto, a dispersão dos grupos formando o tronco linguística Tupi-Guarani ocorreu em momento anterior ao desenvolvimento da cerâmica tupiguarani. Considerando a grande dispersão geográfica desses povos, os arqueólogos criaram subdivisões daquela tradição Tupiguarani em tradição Guarani ao sul (rio Paraguai-Paraná e rio Uruguai), e tradição Tupinambá ao norte (rio Guaporé, rio Madeira, sul do rio Amazonas, Nordeste). A tradição Tupiguarani tem como característica principal a cerâmica policromática e a forma semiesférica dos vasilhames e panelas; o fundo era em forma de calota esférica, nunca plano, e as paredes eram geralmente infletidas com borda extrovertida; as dimensões podiam variar bastante, e o 8 As cariátides (ver esculptura da Grecia antigua) são esculpturas representando figuras humanas, geralmente femininas, que sustentam um elemento arquitetônico ou um objeto. 15 volume era geralmente situado entre 1 e 5 litros. Poucas peças (vasilhas, urnas, outros artefatos) possuem elementos decorativos. Em diversos sítios foram encontradas urnas funerárias, geralmente usadas para sepultamentos secundários 9, embora existem registros da presença de restos humanos em recipientes de grandes dimensões que podem ter servido a inumação primaria. E possível que o uso do sepultamento primário em urnas estivesse restrito a eventuais circunstancias ou personalidades, e que envolvesse uma previa preparação dos objetos ritualísticos ((12)), ((13)), ((14)). Os povos Tupi-Guarani introduziram profundas mudanças nas regiões conquistadas, tais como novas técnicas agrícolas, baseadas na mandioca amarga ao norte, e no milho 10 e a mandioca doce (aipim) no sul. Vasilha Tupiguarani (Acervo do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo) (ix) 2.5 A expansão dos Tupi-Guarani A partir deste ponto, não mencionarei mais o termo cultura ou Tradição Tupiguarani para designar dois povos que, no passado, tem compartilhado características linguísticas e étnicas comuns. Passarei a denomina-los por Tupi, Guarani, e Tupi-Guarani para o tronco comum desses dois povos. Unidos por uma língua comum, os povos Tupi e Guarani diferenciavam-se em alguns aspectos, entre eles a alimentação: enquanto a base alimentar tupi era a mandioca, os Guarani baseavam sua alimentação no milho. A migração dos Tupi-Guarani fascina, hoje mais do que nunca, os etnólogos, arqueólogos e outros cientistas ocidentais, e brasileiros em particular. Na verdade, muitas questões permanecem sem resposta definitiva, objetos de muitas hipóteses, controvérsias e discussões entre os estudiosos do assunto. O interesse particular sobre os Tupi-Guarani deve-se principalmente ao fato de sua grande importância histórica, cultural e demográfica; são eles que os primeiros colonos portugueses encontraram ao aportar em terras brasileiras. Desde o fim do século XVII, os povos Tupi, em particular os Tupinambá, tinham desaparecido quase 9 Para uma descrição do sepultamento secundário (ou “duplo”) ver págs. 142 e 240. 10 O milho foi importado de povos mais avançados, localizados no oeste dos Andes. Notamos que a "revolução agrícola", segundo uma hipótese amplamente aceita pelos arqueólogos, se espalhou do México em direção à América Central e depois, para as regiões andinas. A partir dos Andes, a agricultura espalhou-se na direção da bacia amazônica, mais tarde ao litoral Atlântico e finalmente para o sul em direção do rio de la Plata até a planície da Patagônia. 16 inteiramente em decorrência da conquista dos seus territórios pelos portugueses; ao contrário, os Guarani ainda estão presentes hoje, apesar do seu trágico destino de povo perseguido e dizimado pelas forças conjuntas das duas nações ibéricas, Espanha e Portugal. Onde começou a migração dos Tupi-Guarani? E qual foi a sua direção? Muitas hipóteses foram levantas e estudadas por diversos cientistas, entre os quais destaco Alfred Métraux 11. Não existe atualmente um consenso entre os cientistas para localizar a área que corresponderia ao ponto de partida dessa migração. Hoje ainda existem pelo menos cinco hipóteses principais, num total de quinze, sobre os centros de origem dos povos Tupi-Guarani: Autores Data Centro de origem Karl Ph. Von Martius 1838 Entre o Paraguai e o sul da Bolívia Rodolfo Garcia 1922 Nascente dos rios Paraguai e Paraná Alfred Métraux José P. Brochado 1928 1973 Limitada ao norte pelo rio Amazonas, ao sul pelo rio Paraguai, ao leste pelo rio Tocantins e ao oeste pelo rio Madeira. Betty Megger 1972 Base dos Andes, na Bolívia Betty Megger & Clifford Evans Pedro L. Schmitz 1973 1985 Ao leste do rio Madeira Ao Leste do rio Madeira José P. Brochado Francisco Noelli 1984 1996 Amazônia central Amazônia central Resume de algumas das hipóteses sobre o centro de origem da expansão Tupi-Guarani (15) Sobre a rota de expansão dos Tupi-guarani também não existe consenso entre os cientistas. Atualmente, há duas teorias principais que buscam explicar a migração dos Tupi-Guarani a partir da Amazônia. A ideia dominante, proposta pelo antropólogo Alfred Métraux em 1927, defende que os Tupi-Guarani migraram, juntos, para o sul até o rio Paraguai, há cerca de 2 mil anos. Apenas ali, numa região que poderia situar-se entre as planícies do Chaco Paraguaio e o sul do Brasil atual, teriam se separado em dois grupos. Um dos grupos foi mais para o sul, resultando no ramo Guarani. O outro, resultando no ramo Tupinambá, seguiu para o leste: chegando ao litoral do Sudeste, tomou o rumo norte, ocupando a costa até o atual Nordeste brasileiro. A segunda teoria, denominada o “grande jacaré amazônico”, ou “modelo de pinça”, do antropólogo brasileiro José Proenza Brochado, defende a idéia de que teriam ocorrido duas frentes migratórias: Os protoguaranis teriam saído da Amazônia em direção ao sul, atingindo o rio Paraguai e dali ocupando a região da bacia do rio Prata no início da era cristã; a segunda frente, dos prototupinambás, teria rumado para o leste, descendo o rio Amazonas; chegando ao mar, ela se expandiu pela faixa costeira em direção ao sul, entre os anos 700 e 1200. A teoria da dupla migração é menos aceita por não explicar a proximidade linguística entre os Tupi e os Guarani, e também porque não foram encontrados até hoje vestígios de ocupação tupi no litoral amazônico (16). 11 Alfred Métraux (1902-1963) era um antropólogo suíço, nascido em Lausanne e formado em Paris. Ele se especializou no estudo dos povos da América do Sul e do Caribe. Alfred Métraux permaneceu na memória dos antropólogos como um cientista respeitado, com ética exemplar e por ter colocado seu trabalho a serviço dos direitos humanos. Quando trabalhava na UNESCO, foi uma oportunidade para ele promover muitos programas de antropologia aplicada, particularmente na Amazônia, nos Andes e no Haiti. Lutou ativamente contra o racismo. Além da antropologia, seu trabalho tocava muitas áreas conexas como história, arqueologia, etnografia. Encontrei citações de seus trabalhos em muitos estudos científicos. Sua bibliografia inclui mais de 200 artigos e livros, entre os quais indico aquele que mais se relaciona com o tema deste capítulo: “La civilisation des tribus Tupi-Guarani” (A civilização das tribos Tupi-Guarani), Paris, ed. P. Geuthner (1928). Livro que infelizmente nunca foi traduzido em português (17). 17 Em qual época ocorreu a migração dos Tupi-Guarani? Para os cientistas (antropólogos e linguistas principalmente), a grande dispersão geográfica das línguas da família tupi-guarani indica que os antepassados dos povos destas línguas empreenderam muitas e longas migrações, sobre milhares de quilómetros. Essas provavelmente, teriam ocorrido inicialmente há 2 ou 3 mil anos, e no decorrer desse tempo teriam continuado a se dispersar até recentemente ((18)). Mapa elaborado de acordo com a teoria elaborada por Alfred Métraux: cor cinza (4) a provável área de saída da migração dos Tupi-Guarani; cor verde (5) a área de assentamento dos Tupinambás e outras etnias Tupis no século XVI na chegada dos colonos portugueses; cor rosa (6) a área de assentamento dos Guarani no século XVI também. As áreas 1, 2 e 3 mostram as áreas de culturas Marajó, Tapajó e Guarita. (x) Os Tupi provavelmente atingiram a costa do Atlântico no início da era cristã. Mil e quinhentos anos depois, na época do descobrimento do Brasil, os Tupi ainda estavam em pleno processo de expansão e de dominação das nações não-Tupi do litoral. Os portugueses, perceberam essa agitação e prontamente despertou-lhes o interesse em utilizar os índios uns contra os outros para domina-los ou para afrontar as nações européias (França, Inglaterra, Holanda, Espanha), que tentavam contestar-lhes as novas terras descobertas. O que levou os Tupi-Guarani a deixar suas áreas de origem? Especialistas relatam em primeiro lugar um importante crescimento populacional, possivelmente devido à uma agricultura mais eficiente, induzindo uma semi-sedentarização. Outros documentos, ao contrário, narram longos períodos de seca que teriam ocorrido há cerca de 3 mil anos e que teriam mudado drasticamente as condições de existência em toda a floresta tropical. 18 Há também a hipótese de que havia povos se fracionando em novas tribos, induzindo hostilidades, conflitos e guerras. Finalmente, há a hipótese da busca por novos recursos alimentares (principalmente proteínas animais) ao longo das planícies férteis dos rios Paraguai, Paraná, Uruguai e na costa Atlântica. O que mais faltava em toda a bacia amazônica era o sal, embora os nativos encontraram um substituto vegetal ao sal mineral. 3 Os povos indígenas no século XV (antes da descoberta do Brasil) Nosso conhecimento dos povos indígenas da época dos primeiros contatos com os europeus tem importantes lacunas, pois durante os primeiros cem anos os europeus nunca se aventuraram até mais de 50 a 80 km do litoral. Portanto, apenas cerca de 5% do território brasileiro atual foram descobertos e explorados durante o primeiro século. Crianças Kayapó 12 acompanhando seus pais durante os XI Jogos dos Povos indígenas realizados em Porto Nacional, a 60 Km de Palmas, no Tocantins (Autor da foto: Jan Ferreira; dezembro 2011). (xi) Por conseguinte, foi somente um século após a chegada dos portugueses que estes, gradualmente, tiveram contato com as tribos indígenas do interior. Esses primeiros contatos com as tribos do interior quase nunca se desenrolaram de maneira amigável ou pacifica, ao contrário do que aconteceu com os povos Tupi do litoral. A exploração do território e a concomitante expansão da pecuária exigiam o uso da força e da violência. Os colonos partiram para a caça ou a expulsão 12 O povo Kayapó tem uma população de cerca de 6.500 pessoas. O território Kayapó é situado no Brasil Central, por parte no Estado de Mato Grosso, por parte no Pará. Os Kayapó vivem em aldeias dispersas ao longo do curso superior de diversos afluentes do rio Xingu. Atualmente, a maior parte dos Kayapó mantem contatos mais ou menos regulares com o mundo dos brancos; as relações entre os Kayapó (pelo menos os lideres) e a sociedade nacional e ambientalistas de vários países foram, e ainda hoje são intensas e ambivalentes, para não dizer ambíguas. De fato, os Kayapó viraram os índios mais ricos do Brasil, fechando negócios, as vezes inspirados do sistema capitalista, com madeireiras, mineradoras e empresas do setor agroalimentar (19).
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