Uma breve Historia dos indigenas do Brasil - Page 2 - A colonização das Américas - A vida e os costumes dos povos indígenas do Brasil, seus destinos, sua história - a colonização do Brasil e o contato entre brancos e indígenas i Sumário Introdução 1 Parte I A América do Sul pré-colombiana 7 1 As migrações par o continente americano 7 2 A pré-história dos povos indígenas do Brasil 9 2.1 O período arcaico 9 2.2 As culturas da cerâmica 11 2.3 Culturas e povoamentos da Amazônia 13 2.4 A cultura Tupiguarani 14 2.5 A expansão dos Tupi-Guarani 15 3 Os povos indígenas no século XV 18 3.1 As etnias e grupos linguísticos no século XV e XVI 19 3.2 A demografia indígena no século XV e hoje 20 Parte II A conquista do Novo Mundo pelos europeus nos séculos XVI e XVII (sem o Brasil) 22 1 A conquista espanhola 23 1.1 A conquista das Antilhas e do Caribe 23 1.2 A conquista do México (a dominação dos Astecas) 23 1.3 A conquista da América Central (a dominação dos Maias) 24 1.4 A conquista da América do Sul (a dominação dos Incas) 24 1.5 Consequências humanas e sociais da conquista 26 2 A colonização inglesa 28 2.1 Introdução 28 2.2 Os ameríndios do norte antes da colonização 29 2.3 A formação das colônias 32 2.4 A dizimação dos ameríndios 35 2.5 Crescimento demográfico 40 2.6 O “Destino Manifesto” 41 Parte III Europa e Portugal no século XV 42 1 A Europa 42 1.1 O Renascimento 42 1.2 O mercantilismo 43 1.3 A imprensa 44 2 O Portugal 45 2.1 Henrique o Navegador 46 2.2 As invenções marítimas 48 2.3 As grandes descobertas 50 Parte IV O encontro de dois mundos 62 1 Primeiro contato 62 2 A carta de Pero Vaz de Caminha para seu rei 64 3 Os Tupiniquins 69 ii Parte V A sociedade indígena do Brasil 72 1 Une brève introduction 72 2 Tupi-Guarani e Tapuias 73 3 Línguas indígenas 74 3.1 Introdução 74 3.2 Tronco Tupi 75 3.3 Tronco Macro-Jé 76 3.4 Outras famílias linguísticas 76 3.5 A precariedade das línguas nativas 76 3.6 Um caso: Os Xokleng 77 3.7 Multilinguísmo 79 4 O cunhadismo 80 5 A organização social 84 5.1 Contexto atual 84 5.2 Classes sociais 84 5.3 Funções e ocupações 86 5.4 A habitação, a aldeia 87 5.5 Sistema de parentesco 90 5.6 Nascimento (parto) 91 5.7 A educação das crianças 93 5.8 A educação sexual 94 5.9 O casamento 94 5.10 Doenças e morte 95 5.11 Suicídios e Infanticídios 96 6 A antropofagia 101 7 Violências e guerras 104 8 Caça, pesca, agricultura 106 8.1 A caça 106 8.2 A pesca 110 8.3 A agricultura 111 9 Costumes 115 9.1 As pinturas corporais 115 9.2 Tatuagens 119 9.3 Algumas particularidades da tribo Zo’é 121 10 Mitologia, religião, crenças, ritos de passagem 122 10.1 O xamanismo 122 10.2 A ayahuasca 124 10.3 A "vacina do sapo” 125 10.4 Animismo e cosmogonia 126 10.5 Ritos de passagem 127 10.6 O «yaokwa» dos Enawenê Nawé 133 10.7 Instrumentos musicais usados durante os rituais 135 10.8 Coloração de penas (a arte da tapiragem) 136 10.9 Arte plumária 138 10.10 Ritos funerários 140 iii Parte VI O destino dos indígenas do Brasil 144 1 A época pré-colonial 144 1.1 O ciclo do pau-brasil 144 1.2 Os "Mamelucos" 147 2 O princípio da época colonial 149 2.1 O ciclo do açúcar (1533-1710) 149 2.2 Os Caeté 153 2.3 Os Carijó 154 2.4 As capitanias hereditárias 156 2.5 As primeiras destruições dos Tupinambá 158 2.6 Duas tribos envolvidas na guerra dos Tamoios 159 2.7 Mem de Sá 163 3 Os Bandeirantes (1540-1730) 166 3.1 Breve descrição dos bandeirantes 166 3.2 As bandeiras 167 3.3 Metas e tarefas das bandeiras 167 3.4 Um pouco de história 168 3.5 O território explorado 170 3.6 As grandes bandeiras 170 4 Outros ciclos e outras guerras 177 4.1 Os ciclos na história do Brasil 177 4.2 O ciclo do ouro 178 4.3 Os povos das regiões de mineração 180 4.4 A Guerra dos Bárbaros 182 4.5 A guerrilha dos Mura 183 4.6 A guerra da Cabanagem 185 4.7 O povo Sateré-Mawé 186 5 O primeiro ciclo da borracha (1860-1920) 188 5.1 Um pouco de história 188 5.2 A árvore que chora 190 5.3 Cronologia simplificada 190 5.4 A febre da borracha na Amazônia 191 5.5 A dizimação dos indígenas 198 5.6 Júlio Cesar Arana, um barão da borracha 202 5.7 Nicolas Suarez, outro barão da borracha 207 5.8 O povo Kaxarari 207 5.9 A "ferrovia da morte" 210 5.10 O fim 213 6 Mario Juruna 215 7 SPI et FUNAI 221 Parte VII Algumas tribos 226 1 Os Ianomâmi 226 1.1 Introdução 226 1.2 Contatos e invasões 228 1.3 A vida quotidiana 232 1.4 Xamanismo e espíritos 238 1.5 Nomes de nascimento e apelidos 239 iv 1.6 Ritos funerários 240 2 Os Guarani 243 2.1 Localização 243 2.2 Quantos eram? Quantos são? 244 2.3 Organização social 245 2.4 Profetismo e religiosidade 249 2.5 A Terra Sem Mal 253 2.6 Dizimação e invasão 255 2.7 Suicídios 260 3 Os Nambikwara 262 3.1 Breve introdução 262 3.2 Localização 263 3.3 População 264 3.4 Primeiros contatos e invasões do século XX 265 3.5 A vida social 267 3.6 Algumas características 273 4 Os Tukano 278 4.1 Tikúna ou Tukano? 278 4.2 Povo e língua Tukano 279 4.3 Localização 280 4.4 Os primeiros contatos nos séculos XVII e XVIII 281 4.5 Os contatos no século XIX 282 4.6 Os Missionários 283 4.7 Algumas características 287 Para concluir 292 Bibliografia 294 Referencias 296 Crédito fotográfico 315 Índice das pessoas citadas 323 Índice das tribos citadas 326 Abreviações 327 1 Uma breve história dos indígenas do Brasil “A Terra é localizada na região central do cosmos, firmemente fixada ao centro, equidistante de todas as outras partes do céu [...] Ela é dividida em três partes, uma é chamada Ásia, a segunda Europa, a terceira África [...] Além destas três partes do mundo existe uma quarta, do outro lado do oceano, que nos é desconhecida”. Isidoro de Sevilha; Etymologiae; (600 d.C.). (1) Introdução Não é fácil, particularmente para um europeu, traçar o destino dos povos indígenas do Brasil. Os textos acadêmicos frequentemente são de abordagem árdua. Textos de vulgarização são, não raramente, duvidosos; outros são tendenciosos ou cheio de erros. É necessário fazer “cruzamentos” de vários textos sobre cada assunto, cada informação, para conseguir compor um parágrafo justo, coerente, confiável e ao mesmo tempo interessante. Em 2012, redigi um primeiro texto em francês; ele tinha 170 páginas e era destinado a amigos e à minha família de língua francesa, que regularmente me questionavam sobre esse assunto (você encontrou índios? Ainda tem índios? onde moram? Eles vão na escola?.). No início de 2015 comecei a redação do presente documento, tentando traduzir o texto original de 2012. Como se pode imaginar, encontrei muitas dificuldades para traduzi-lo para o português, pois as ferramentas de tradução disponíveis na internet são muito fracas. Usei do meu magro conhecimento da língua portuguesa para corrigir e reinterpretar o que as ferramentas de tradução queriam evocar. Ao mesmo tempo, achei o texto francês incompleto, pouco “sólido”, e com alguns erros; para um leitor brasileiro, era necessário produzir um documento consistente e de melhor qualidade. Mesmo assim, o resultado certamente não é à altura da minha intenção; lamento e peço desculpas antecipadamente aos leitores de língua portuguesa. Por onde começar? Quando eu comecei escrever a primeira versão em francês, me fiz essa pergunta: por onde começar quando deseja-se descrever a sociedade indígena do Brasil? Podia-se falar dos nativos do Brasil somente a partir do primeiro contato? Ou não seria necessário também falar dos povos que habitavam este continente antes da chegada de Colombo e Cabral? E se a resposta for positiva, de onde vinham então esses habitantes, dado que esse continente parecia “uma ilha”? Como tinham chegado aqui? Foi assim, querendo responder a todas essas perguntas, que iniciei minha redação, descrevendo a migração asiática para o Novo Mundo que aconteceu há milhares de anos antes da nossa era (Parte I). Eu ainda estava muito longe do meu assunto! Em seguida veio uma outra pergunta: podia-se falar da conquista e da colonização do Brasil pelos portugueses sem mencionar as outras colonizações do Novo Mundo, como a espanhola e a inglesa? 1. Foi deste modo que ainda não tinha escrito nada sobre os indígenas do Brasil, mas 1 Eu estava na dúvida; finalmente decidi falar também das duas outras colonizações e dos povos ameríndios dominados pelos colonizadores espanhois e ingleses; afinal, seus destinos tinham pontos em comum, que podem ser resumidos em poucas palavras: caça ao “selvagem”, massacres, espoliações e roubos de terras ancestrais, escravidão, destruição de suas culturas e de suas estruturas sociais, deportações, banimentos, promessas e tratados nunca cumpridos, transmissão de doenças desconhecidas; e mais tarde: humilhações, marginalização, colocação sob tutela, justiça discriminatória. 2 pelo contrário, discursava sobre a formação da América espanhola e a dos futuros EstadosUnidos (Parte II). De novo ainda, estava bem longe do meu objetivo! E não foi só isso, emergiu mais uma pergunta: Por que os portugueses? Sim! Por que eles, e não os italianos, os franceses, os gregos, os turcos, estes últimos justamente em plena fase expansionista? Por que não os ingleses, holandeses, dinamarqueses, suecos? Todos povos de grande vocação marítima e intrépidos navegadores também. Portanto, me parecia justo falar dos portugueses, e dos seus rivais espanhóis. Mas como falar destes dois reinos sem situá-los com o resto da Europa dessa época dos Descobrimentos? Foi assim que me encontrei falando de astrolábio, de velas triangulares, de Simonetta Vespucci, da imprensa de Gutenberg, do Tratado de Saragoça… (Parte III). Mas ainda não dos nossos indígenas do Brasil!! Foi então somente na página 62 que, finalmente, comecei a falar dos nativos brasileiros, através da carta de Pero Vaz de Caminha (Parte IV). Todo esse longo preâmbulo não estava realmente nos meus planos, mas aquilo aconteceu, naturalmente; e finalmente, espero que possamos todos concordar nisso: um pouco de História não faz mal para ninguém. Menina Ianomâmi (i) Como abordar o assunto? Para descrever a sociedade indígena, com seus ritos e costumes, seus modos de vida, sua cosmogonia e vários outros aspectos, existem quantidade de estudos, teses de mestrado ou doutorado, pesquisas de campo e monografias, todos do mais alto interesse e de leitura absolutamente cativante. Ao contrário, quando se trata de descrever a “história”, ao longo dos séculos, das relações entre os povos indígenas e a sociedade branca, não se encontra mais nada de sério, quase nada que seja detalhado, comprovado, analisado; não tem mais relatos acadêmicos de qualidade. O assunto vira coisa “política”, ainda mais delicado de ser abordado por um não-brasileiro. Os parágrafos abaixo são um breve resumo de como eu encontrei a sociedade indígena e o seu destino, por meio da literatura. Quando os primeiros colonizadores portugueses chegaram no Brasil, encontraram indivíduos que não possuíam nada, não acumulavam bens materiais, não tinham nada a vender e não queriam comprar nada; “Não têm vestuários nem de lã, nem de linho, nem de algodão, porque não têm nenhuma necessidade; e não há neles nenhum patrimônio, todos os bens são comuns a todos. Vivem sem rei nem governador, e cada um é dele mesmo o seu próprio mestre. Têm tantas esposas que quiser [...] eles não têm nem templo nem religião, e não são idólatras. O que mais posso dizer? Vivem de acordo com a natureza” (Amerigo Vespucci; Mundus novus, 1503, Florença) (2). 3 De fato, a sua cultura material parecia inexistente. Mas esses mesmos colonizadores não souberam ver, e nunca quiseram admitir, ao longo de cinco séculos de dominação, que os indígenas possuíam uma rica cultura espiritual, uma cosmogonia e mitologia complexa, cada tribo tendo sua própria 2 . Ao contrário do que pensavam os missionários dos primeiros séculos, os indígenas eram convencidos de possuir uma alma. Certos povos tinham desenvolvido crenças escatológicas ou criacionistas, que falavam de um fim dos tempos, ou de um dilúvio, ou de um fogo purificador, e também de “um paraíso”. Se for verdadeiro que as tribos indígenas do Brasil não tinham, na maioria dos casos, nem “rei” nem “governador”, é verdade também que praticamente todas tinham um pajé, um xamã; era esse personagem o homem primordial e essencial da tribo ou do grupo. O xamã é um "padre" e um "terapeuta"; ele mantem uma relação com os espíritos; ele está presente em praticamente todas as sociedades ameríndias e siberianas (de onde a palavra “xamã” é originária: Шаман), bem como no Tibete, entre outros. Os xamãs têm a capacidade de ir e vir entre mundos paralelos, o mundo dos vivos por um lado, e por outro lado os mundos celestiais, terrestres, subaquáticos, subterrâneos. Para as tribos ameríndias, o diálogo que o pajé ou xamã podia estabelecer com o mundo dos espíritos (espíritos da floresta, dos animais, das plantas, almas dos defuntos) era essencial. Para ter acesso aos poderes sobrenaturais, o xamã devia passar por uma longa e penosa iniciação (Davi Kopenawa & Bruce Albert; A Queda do Céu, Companhia das Letras, 2015), seguida de longos períodos de continência e de proibições diversas, notadamente alimentares. Os missionários portugueses não demoraram a identificar o “inimigo”: como estes xamãs podiam “ver”, se mesmo os padres, os monges, e até o Papa apenas podiam “crer”? A sociedade indígena não era governada unicamente pelo poder do xamã, mas também por regras, tabus, preceitos e numerosos rituais que ritmavam a vida do grupo. Foi isso que tentei descrever no meu trabalho, utilizando da melhor maneira possível as numerosas e enriquecedoras publicações acadêmicas as quais pude acessar via internet, e também lendo e relendo os livros que possuo sobre o assunto (Parte V). Nenhum povo ameríndio possuía nem livros nem bibliotecas; esses povos, contudo, tinham acumulado todos os conhecimentos necessários a sua sobrevivência, e o seu conhecimento da natureza era imenso; souberam preservá-la durante milênios, e continuaram a servir-se dela de maneira equilibrada até os tempos de hoje. Nunca nenhum bisonte, nenhum peixe, nenhum ovo de tartaruga, nenhuma capivara tinha faltado para sua alimentação. Mas essa situação de equilíbrio ecológico será quebrada rapidamente com a chegada dos brancos e sua penetração para o interior das terras. Isso acontecerá em todas as partes do continente americano. A conquista e exploração do continente ameríndio foi uma das mais mortíferas da história, pela sua duração e pela desigualdade dos meios de luta. As três nações européias tentaram, por todos os meios, expulsar os autóctones das terras conquistadas; foram perseguidos, aniquilados ou escravizados. Durante o primeiro século de contato, a população nativa foi dizimada pelas doenças trazidas pelos europeus (varíola, tifo, gripe, difteria, sarampo, entre várias outras), doenças contra as quais os indígenas não tinham defesa imune. Os conquistadores logo constataram esse fato, e não vacilaram, em especial os espanhóis, em enviar cães contaminados para ajudar ainda mais em propagar essas doenças. Se na América do Norte as guerras contra os índios terminaram há mais de um século, no Brasil a confrontação prolongou-se até o fim do século XX, numa mistura de conflitos armados, de “pacificações” e de evangelizações diversas. Para os indígenas do Brasil, a conquista e a colonização do país resultou na dizimação de 90% da sua população inicial,baseada no ano 1500, 2 Sobre o tema da alteridade (termo proveniente do baixo latim alteritas que significa diferencia) ou “outridade”, ver: Tzvetan Todorov; “A Conquista da América - A Questão do Outro”, 4ª Ed. 2010, 387 págs. Ed. Wmf Martins Fontes. Esta obra apoia-se, historicamente, sobre a conquista do Caribe e do México no curso do século XVI. Porém, o tema da outridade é universal, e foi tratado por Michel de Montaigne jà em 1580 (Ensaios; Livro 1, capítulo XXXI, Dos Canibais). 4 pela perda de 85% das suas línguas, pela aculturação quase completa, e pela destruição dos biótopos de quase todas as tribos indígenas, induzindo frequentemente desnutrição, proletarização e dependência para com a Sociedade Civil e o Estado brasileiro. Menina Wayana 3 , com pintura facial de jenipapo. (Autor da foto: Daniel Schoepf; 1978) (ii) Foi esse destino dos povos indígenas brasileiros, confrontados aos colonizadores lusos, seguidamente à sociedade brasileira, que tentei descrever na parte VI. Foi para escrever esta parte VI que encontrei maiores dificuldades, pois, ao que parece, as “misérias” sofridas pelos indígenas brasileiros durante cinco séculos nunca interessaram ninguém. Tivera muitas dificuldades para encontrar na internet uma documentação séria, em língua portuguesa, sobre os diversos episódios da história dos índios no curso dos cinco séculos de colonização: O que aconteceu com os índios durante a exploração do pau-brasil? Qual foi o impacto da corrida para o ouro do século XVII para as tribos de Minas Gerais, de Goiás e Mato Grosso? O que aconteceu na Amazônia brasileira durante os dois ciclos da borracha, mais particularmente com as tribos da bacia amazônica? O que realmente aconteceu entre as tribos indígenas e as bandeiras? Não, realmente, a história dos índios não interessava muita gente. Há muito tempo, alguém disse, falando do Brasil, que ele era o inferno do negro, o purgatório do branco e o paraíso do mulato 4. Se esta frase peremptória continha, na época, uma boa dose de verdade, pode ser notado que ela não mencionava o índio; parece então que este nunca teve seu lugar na sociedade brasileira, tanto ontem como hoje. Contudo, a partir dos anos 50, o governo brasileiro fez esforços para melhorar a condição dos nativos e primeiros habitantes de seu país. Porém, em certas partes da sociedade, permanece uma visão negativa do índio, feita de preconceitos e rejeição. O “índio” é hoje, como há 500 anos atrás, percebido como um empecilho ao comércio, ao desmatamento e ao extrativismo generalizado do solo e do subsolo, ou simplesmente, à civilização. 3 A tribo Wayana é localizada no Amapá e no extremo norte do Pará, perto das fronteiras com o Suriname e a Guiana Francesa. A população é estimada em 300 no Brasil, 800 na Guiana Francesa e 500 no Suriname. 4 Padre Antonil, jesuíta italiano, (1649-1716). O Padre Antonil era um contemporâneo do Padre Antônio Vieira; ele é o autor de um documento publicado em 1711: “Cultura e opulência do Brasil”, livro considerado como o melhor que foi escrito sobre as condições sociais e econômicas do Brasil no início do século XVIII. Este livro descreve em detalhes os aspectos sociais, econômicos e técnicos da produção do açúcar e do tabaco, da organização e da exploração das minas de ouro, bem como dos pastos e criações de gado no Estado da Bahia, mencionando entre outras a Casa da Torre dos Garcia d’Ávila ((3)). 5 Mas, os índios do Brasil aprenderam a defender seus direitos. Adquiriram, ou receberam terras reservadas e teoricamente protegidas, as chamadas Terras Indígenas (TI). Receberam ajuda e assistência de orgãos governamentais, como a FUNAI e a FUNASA; vários textos legislativos protegem (alguns acrescentarão: “em tese”) os índios, coisas que não existem em nenhum outro país da América do Sul (4). Nos últimos 50 anos a curva demográfica da maioria dos povos indígenas voltou a ser positiva: eram aproximadamente 80-90 mil em 1910, na época da criação do SPI (Serviço de Proteção aos Índios), perto do desaparecimento definitivo; e cerca de 100 mil em 1950, perdidos numa multidão de 55 milhões de habitantes. A partir dos anos 50, sua população começou a crescer de forma lenta e regular. Em 2010 a população indígena aproximava-se dos 400 mil habitantes, número que não inclui outros 400 mil indivíduos que, segundo o censo IBGE de 2010 se declararam como “índios”, totalmente aculturados, vivendo a moda dos brancos ou “caboclos” das classes inferiores. A seguir, são apresentadas algumas informações relativas ao presente documento: Fontes e referências: Para escrever este pequeno texto, as principais fontes consultadas foram a internet e minha própria biblioteca. As referências, às vezes acompanhadas de curtos comentários, se encontram no fim do documento (págs. 296-315). São cerca 400 referências, das quais cerca de 50 são tiradas do site “PIB Socioambiental” e cerca de 30 do site “Wikipédia” (em várias línguas). Das 320 referências restantes, aproximadamente 220 são relacionadas a teses de mestrado ou doutorado, estudos e comunicações acadêmicas, trabalhos de campo ou relatórios de historiadores, cientistas ou personagens históricos, assim como aos livros consultados. Para realizar esse trabalho, li aproximadamente 18 mil páginas de livros e documentos. Algumas referências, que considerava particularmente interessantes, são assinaladas no texto com os números em negrito e duplo parêntese, por exemplo: ((25)). Os textos assim referenciados são de alta qualidade e representam uma valiosa e ampla fonte de informação sobre o assunto relacionado. Uma breve lista bibliográfica se encontra também no fim do documento. Índios: Para nomear os indígenas, usei diversos substantivos, como: nativos, ameríndios, índios, autóctones, povo, indígenas 5; fiz isso, antes de tudo, para não ser repetitivo demais. O termo “índio” foi primeiro introduzido pela Espanha, quando Cristóvão Colombo, que achava ter atingido as Índias, chamou assim os habitantes do Novo Mundo. No início da colonização do Brasil e até o século XVIII, os portugueses usavam do termo de “gentios”, ou seja, pagãos. Hoje o Brasil nomeia seus nativos, aqueles do passado bem como os do presente, de índios. Da mesma forma, para designar os colonizadores usei dos termos de colonos, portugueses, colonizadores, brancos, europeus; às vezes para não repetir e às vezes para ser mais preciso. Nomes das tribos: Usei a letra inicial maiúscula para nomear as tribos, enquanto o padrão, ao que parece, é a minúscula. Não tendo encontrado nenhuma explicação sobre essa norma, então optei por utilizar a letra maiúscula. Contudo, segui a norma no que diz respeito ao plural dos nomes das tribos, sem o s no final (com a exceção de Tupiniquins, Tupiniquim no singular). Imagens: A maioria das imagens mostradas aqui são geralmente relacionadas ao texto, mas de vez em quando inseri algumas que não são, a exemplo dos três retratos desta introdução. São perto de 5 O termo "indígena" vem do latim indigěna, relacionado com o grego endogenés, que significa “nascido em casa” (Antônio Geraldo da Cunha. “Dicionário etimológico da língua portuguesa”, pág. 433; 2a ed., 1986). 6 240 imagens inseridas no corpo do texto, numeradas com números romanos (por exemplo: xix, xxvii). O crédito fotográfico também se encontra no fim do documento (págs. 315-323). Nota para o leitor brasileiro: Como foi dito anteriormente, o presente texto estava primeiro e principalmente destinado aos leitores europeus, que geralmente têm pouco conhecimento sobre o Brasil e seus indígenas. Por esta razão, alguns trechos poderão parecer elementares ou sem interesse para brasileiros. Por outro lado, acredito que o presente trabalho (que não tem nenhuma pretensão acadêmica) contém muitas informações e detalhes poucos conhecidos dos brasileiros também. Peço desculpas para as numerosas imperfeições gramaticais que podem ser encontradas no presente documento. Contudo, boa leitura. Índios Bororo 6 . Desenho de Hercules Florence (1827), pintor francês que acompanhou a trágica expedição do conde Langsdorff entre 1825 e 1828. (iii) 6 As informações históricas disponíveis indicam que nas últimas décadas do século XIX havia aproximadamente dez mil indivíduos Bororo. Contudo, ao cabo de poucos anos, grande parte sucumbiu aos efeitos deletérios do contato, que incluíram guerras, epidemias e fome. O quadro era tão desalentador que o antropólogo Darcy Ribeiro (“Os Índios e a Civilização”, Petrópolis, Vozes, 1970), ao analisar o censo de 1932, afirmou que o alto grau de vulnerabilidade dos Bororo indicava as últimas etapas do processo de extinção. Entretanto, a partir da década de 70, tem-se observado um crescimento populacional, de modo que, de 626 indivíduos registrados pelo Padre Uchoa em 1979, existe hoje um montante de aproximadamente 1.200, todos localizados no planalto central do Mato Grosso. Os Bororo praticam uma esplêndida arte plumária e são também conhecidos por um rito funerário muito complexo que pode, por vezes, estender-se sobre dois, três, e até seis meses (ver pág.142). Atualmente, a língua bororo é falada por quase toda a população. Até o final da década de 1970, contudo, crianças e jovens sofriam a imposição de um regime escolar da Missão Indígena que proibia que se falasse a língua nativa nas aldeias de Meruri e Sangradouro. Um processo de reavaliação e autocrítica dos salesianos culminou no resgate da língua original e do ensino bilíngue. Assim, em todas as aldeias, a maioria da população fala português e bororo. No cotidiano, a língua falada é a nativa, acrescida de neologismos assimilados do português regional, o qual é acionado apenas nos contatos inter-étnicos (5).
Uma breve Historia dos indigenas do Brasil - Page 2
Uma breve Historia dos indigenas do Brasil - Page 3
viapresse