Uma breve Historia dos indigenas do Brasil - Page 18 - A colonização das Américas - A vida e os costumes dos povos indígenas do Brasil, seus destinos, sua história - a colonização do Brasil e o contato entre brancos e indígenas 13 2.3 Culturas e povoamentos da Amazônia A vasta bacia amazônica foi palco das culturas indígenas as mais sofisticadas antes da conquista portuguesa, e podem ser consideradas o berço da cerâmica no Brasil. Além disso, foi através desses povos da bacia amazônica que se propagou uma agricultura organizada e eficiente. O imenso território amazônico é composto por duas topografias distintas: as terras altas cobertas de florestas, geralmente pobres em nutrientes, e as terras baixas nas margens dos rios, regularmente inundadas e férteis. A densidade populacional dessa área era maior que em outras regiões do Brasil. Foi sobre essas terras baixas, bem como no litoral Atlântico, que se desenvolveu um grande grupo ceramista, formado de duas Tradições chamadas policroma e incisa-ponteada. A expressão cultural a mais importante dos indígenas da Amazônia é a cerâmica da ilha fluvial de Marajó, na foz do rio Amazonas, bem como a cerâmica do rio Tapajós nos arredores da atual cidade de Santarém. Os artefatos criados por estes evidenciam sociedades indígenas das mais avançadas do Brasil. Sobre esta vasta ilha de Marajó (48 mil km²), seguiram-se diversas culturas e Tradições; a primeira começou aproximadamente 1600 a.C., e a mais recente ocorreu entre os anos 410 e 1320 de nossa era. Essa última Tradição, conhecida como Tradição Marajoara, certamente representa o auge do desenvolvimento cultural da região; seu maior legado foram as esplêndidas cerâmicas policromáticas, decoradas com motivos geométricos, zoomórfos e antropomórfos ((10)). A produção da cerâmica era inteiramente organizada pelas mulheres das tribos, responsáveis por todo o processo, da escolha da argila à modelagem, da cozedura das peças à pintura dos objetos. Os povos da Tradição Marajoara tinham uma vasta representação artística de estatuetas, objetos utilizados pelos pajés em rituais (como as maracás), possuíam também grande variedade de recipientes para uso doméstico, assim como tangas de cerâmica, usadas por mulheres em cerimônias e ritos de passagem. Uma igaçaba, urna destinada à guarda de ossos dos mortos em cerimônias funerárias. Tradição Marajoara. Museu do Encontro, Forte do Presépio, Belém, PA (vii) Mais à montante do rio Amazonas, na foz do rio Tapajós viviam os Tapajó, o principal grupo indígena da região. O povoamento mais importante dessa tribo era localizado próximo da atual 14 cidade de Santarém. A cerâmica da cultura tapajônica se caracteriza pela representação de figuras humanas e de animais como urubus, pequenos batráquios, antas e macacos. Os objetos mais significativos da cerâmica de Santarém são os vasos de cariátides 8, os vasos de gargalo, assim como estatuetas e cachimbos (11). Vaso de Cariátide. Cerâmica tapajônica; Museu Paraense Emílio Goeldi. Belém, PA. (viii) Segundo os antropólogos, estas sociedades eram hierarquizadas; algumas eram organizadas em grandes aldeias (compreendendo também suas plantações agrícolas e seus cemitérios) dispostas em cima de vastos espaços de terra artificialmente erguidos com a finalidade de protege-las das inundações anuais. Pesquisas arqueológicas recentes demonstraram que a parte inferior do rio Amazonas era altamente povoada. Com isso foi possível uma drástica revisão sobre os números da população da América do Sul. Somente na bacia amazônica dessa época, calculou-se um número estimado entre 7 até 8 milhões de habitantes. 2.4 A cultura Tupiguarani No final dos anos 60, pesquisadores do Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas (PRONAPA), dirigido por arqueólogos norte-americanos encontraram numerosos sítios arqueológicos onde apareciam fragmentos de cerâmica decorada, algumas com traços vermelhos ou pretos pintados sobre engobo branco. Tais vestígios materiais foram classificados e reunidos sob o nome “Tradição Tupiguarani” em uma só palavra, indicando tratar-se de um conceito arqueológico ligado aos povos falantes das línguas Tupi-Guarani (com hífen). As datações através da técnica do C14 apontavam que esses artefatos teriam sido fabricados entre os séculos V e XV. No entanto, a dispersão dos grupos formando o tronco linguística Tupi-Guarani ocorreu em momento anterior ao desenvolvimento da cerâmica tupiguarani. Considerando a grande dispersão geográfica desses povos, os arqueólogos criaram subdivisões daquela tradição Tupiguarani em tradição Guarani ao sul (rio Paraguai-Paraná e rio Uruguai), e tradição Tupinambá ao norte (rio Guaporé, rio Madeira, sul do rio Amazonas, Nordeste). A tradição Tupiguarani tem como característica principal a cerâmica policromática e a forma semiesférica dos vasilhames e panelas; o fundo era em forma de calota esférica, nunca plano, e as paredes eram geralmente infletidas com borda extrovertida; as dimensões podiam variar bastante, e o 8 As cariátides (ver esculptura da Grecia antigua) são esculpturas representando figuras humanas, geralmente femininas, que sustentam um elemento arquitetônico ou um objeto. 15 volume era geralmente situado entre 1 e 5 litros. Poucas peças (vasilhas, urnas, outros artefatos) possuem elementos decorativos. Em diversos sítios foram encontradas urnas funerárias, geralmente usadas para sepultamentos secundários 9, embora existem registros da presença de restos humanos em recipientes de grandes dimensões que podem ter servido a inumação primaria. E possível que o uso do sepultamento primário em urnas estivesse restrito a eventuais circunstancias ou personalidades, e que envolvesse uma previa preparação dos objetos ritualísticos ((12)), ((13)), ((14)). Os povos Tupi-Guarani introduziram profundas mudanças nas regiões conquistadas, tais como novas técnicas agrícolas, baseadas na mandioca amarga ao norte, e no milho 10 e a mandioca doce (aipim) no sul. Vasilha Tupiguarani (Acervo do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo) (ix) 2.5 A expansão dos Tupi-Guarani A partir deste ponto, não mencionarei mais o termo cultura ou Tradição Tupiguarani para designar dois povos que, no passado, tem compartilhado características linguísticas e étnicas comuns. Passarei a denomina-los por Tupi, Guarani, e Tupi-Guarani para o tronco comum desses dois povos. Unidos por uma língua comum, os povos Tupi e Guarani diferenciavam-se em alguns aspectos, entre eles a alimentação: enquanto a base alimentar tupi era a mandioca, os Guarani baseavam sua alimentação no milho. A migração dos Tupi-Guarani fascina, hoje mais do que nunca, os etnólogos, arqueólogos e outros cientistas ocidentais, e brasileiros em particular. Na verdade, muitas questões permanecem sem resposta definitiva, objetos de muitas hipóteses, controvérsias e discussões entre os estudiosos do assunto. O interesse particular sobre os Tupi-Guarani deve-se principalmente ao fato de sua grande importância histórica, cultural e demográfica; são eles que os primeiros colonos portugueses encontraram ao aportar em terras brasileiras. Desde o fim do século XVII, os povos Tupi, em particular os Tupinambá, tinham desaparecido quase 9 Para uma descrição do sepultamento secundário (ou “duplo”) ver págs. 142 e 240. 10 O milho foi importado de povos mais avançados, localizados no oeste dos Andes. Notamos que a "revolução agrícola", segundo uma hipótese amplamente aceita pelos arqueólogos, se espalhou do México em direção à América Central e depois, para as regiões andinas. A partir dos Andes, a agricultura espalhou-se na direção da bacia amazônica, mais tarde ao litoral Atlântico e finalmente para o sul em direção do rio de la Plata até a planície da Patagônia. 16 inteiramente em decorrência da conquista dos seus territórios pelos portugueses; ao contrário, os Guarani ainda estão presentes hoje, apesar do seu trágico destino de povo perseguido e dizimado pelas forças conjuntas das duas nações ibéricas, Espanha e Portugal. Onde começou a migração dos Tupi-Guarani? E qual foi a sua direção? Muitas hipóteses foram levantas e estudadas por diversos cientistas, entre os quais destaco Alfred Métraux 11. Não existe atualmente um consenso entre os cientistas para localizar a área que corresponderia ao ponto de partida dessa migração. Hoje ainda existem pelo menos cinco hipóteses principais, num total de quinze, sobre os centros de origem dos povos Tupi-Guarani: Autores Data Centro de origem Karl Ph. Von Martius 1838 Entre o Paraguai e o sul da Bolívia Rodolfo Garcia 1922 Nascente dos rios Paraguai e Paraná Alfred Métraux José P. Brochado 1928 1973 Limitada ao norte pelo rio Amazonas, ao sul pelo rio Paraguai, ao leste pelo rio Tocantins e ao oeste pelo rio Madeira. Betty Megger 1972 Base dos Andes, na Bolívia Betty Megger & Clifford Evans Pedro L. Schmitz 1973 1985 Ao leste do rio Madeira Ao Leste do rio Madeira José P. Brochado Francisco Noelli 1984 1996 Amazônia central Amazônia central Resume de algumas das hipóteses sobre o centro de origem da expansão Tupi-Guarani (15) Sobre a rota de expansão dos Tupi-guarani também não existe consenso entre os cientistas. Atualmente, há duas teorias principais que buscam explicar a migração dos Tupi-Guarani a partir da Amazônia. A ideia dominante, proposta pelo antropólogo Alfred Métraux em 1927, defende que os Tupi-Guarani migraram, juntos, para o sul até o rio Paraguai, há cerca de 2 mil anos. Apenas ali, numa região que poderia situar-se entre as planícies do Chaco Paraguaio e o sul do Brasil atual, teriam se separado em dois grupos. Um dos grupos foi mais para o sul, resultando no ramo Guarani. O outro, resultando no ramo Tupinambá, seguiu para o leste: chegando ao litoral do Sudeste, tomou o rumo norte, ocupando a costa até o atual Nordeste brasileiro. A segunda teoria, denominada o “grande jacaré amazônico”, ou “modelo de pinça”, do antropólogo brasileiro José Proenza Brochado, defende a idéia de que teriam ocorrido duas frentes migratórias: Os protoguaranis teriam saído da Amazônia em direção ao sul, atingindo o rio Paraguai e dali ocupando a região da bacia do rio Prata no início da era cristã; a segunda frente, dos prototupinambás, teria rumado para o leste, descendo o rio Amazonas; chegando ao mar, ela se expandiu pela faixa costeira em direção ao sul, entre os anos 700 e 1200. A teoria da dupla migração é menos aceita por não explicar a proximidade linguística entre os Tupi e os Guarani, e também porque não foram encontrados até hoje vestígios de ocupação tupi no litoral amazônico (16). 11 Alfred Métraux (1902-1963) era um antropólogo suíço, nascido em Lausanne e formado em Paris. Ele se especializou no estudo dos povos da América do Sul e do Caribe. Alfred Métraux permaneceu na memória dos antropólogos como um cientista respeitado, com ética exemplar e por ter colocado seu trabalho a serviço dos direitos humanos. Quando trabalhava na UNESCO, foi uma oportunidade para ele promover muitos programas de antropologia aplicada, particularmente na Amazônia, nos Andes e no Haiti. Lutou ativamente contra o racismo. Além da antropologia, seu trabalho tocava muitas áreas conexas como história, arqueologia, etnografia. Encontrei citações de seus trabalhos em muitos estudos científicos. Sua bibliografia inclui mais de 200 artigos e livros, entre os quais indico aquele que mais se relaciona com o tema deste capítulo: “La civilisation des tribus Tupi-Guarani” (A civilização das tribos Tupi-Guarani), Paris, ed. P. Geuthner (1928). Livro que infelizmente nunca foi traduzido em português (17). 17 Em qual época ocorreu a migração dos Tupi-Guarani? Para os cientistas (antropólogos e linguistas principalmente), a grande dispersão geográfica das línguas da família tupi-guarani indica que os antepassados dos povos destas línguas empreenderam muitas e longas migrações, sobre milhares de quilómetros. Essas provavelmente, teriam ocorrido inicialmente há 2 ou 3 mil anos, e no decorrer desse tempo teriam continuado a se dispersar até recentemente ((18)). Mapa elaborado de acordo com a teoria elaborada por Alfred Métraux: cor cinza (4) a provável área de saída da migração dos Tupi-Guarani; cor verde (5) a área de assentamento dos Tupinambás e outras etnias Tupis no século XVI na chegada dos colonos portugueses; cor rosa (6) a área de assentamento dos Guarani no século XVI também. As áreas 1, 2 e 3 mostram as áreas de culturas Marajó, Tapajó e Guarita. (x) Os Tupi provavelmente atingiram a costa do Atlântico no início da era cristã. Mil e quinhentos anos depois, na época do descobrimento do Brasil, os Tupi ainda estavam em pleno processo de expansão e de dominação das nações não-Tupi do litoral. Os portugueses, perceberam essa agitação e prontamente despertou-lhes o interesse em utilizar os índios uns contra os outros para domina-los ou para afrontar as nações européias (França, Inglaterra, Holanda, Espanha), que tentavam contestar-lhes as novas terras descobertas. O que levou os Tupi-Guarani a deixar suas áreas de origem? Especialistas relatam em primeiro lugar um importante crescimento populacional, possivelmente devido à uma agricultura mais eficiente, induzindo uma semi-sedentarização. Outros documentos, ao contrário, narram longos períodos de seca que teriam ocorrido há cerca de 3 mil anos e que teriam mudado drasticamente as condições de existência em toda a floresta tropical. 18 Há também a hipótese de que havia povos se fracionando em novas tribos, induzindo hostilidades, conflitos e guerras. Finalmente, há a hipótese da busca por novos recursos alimentares (principalmente proteínas animais) ao longo das planícies férteis dos rios Paraguai, Paraná, Uruguai e na costa Atlântica. O que mais faltava em toda a bacia amazônica era o sal, embora os nativos encontraram um substituto vegetal ao sal mineral. 3 Os povos indígenas no século XV (antes da descoberta do Brasil) Nosso conhecimento dos povos indígenas da época dos primeiros contatos com os europeus tem importantes lacunas, pois durante os primeiros cem anos os europeus nunca se aventuraram até mais de 50 a 80 km do litoral. Portanto, apenas cerca de 5% do território brasileiro atual foram descobertos e explorados durante o primeiro século. Crianças Kayapó 12 acompanhando seus pais durante os XI Jogos dos Povos indígenas realizados em Porto Nacional, a 60 Km de Palmas, no Tocantins (Autor da foto: Jan Ferreira; dezembro 2011). (xi) Por conseguinte, foi somente um século após a chegada dos portugueses que estes, gradualmente, tiveram contato com as tribos indígenas do interior. Esses primeiros contatos com as tribos do interior quase nunca se desenrolaram de maneira amigável ou pacifica, ao contrário do que aconteceu com os povos Tupi do litoral. A exploração do território e a concomitante expansão da pecuária exigiam o uso da força e da violência. Os colonos partiram para a caça ou a expulsão 12 O povo Kayapó tem uma população de cerca de 6.500 pessoas. O território Kayapó é situado no Brasil Central, por parte no Estado de Mato Grosso, por parte no Pará. Os Kayapó vivem em aldeias dispersas ao longo do curso superior de diversos afluentes do rio Xingu. Atualmente, a maior parte dos Kayapó mantem contatos mais ou menos regulares com o mundo dos brancos; as relações entre os Kayapó (pelo menos os lideres) e a sociedade nacional e ambientalistas de vários países foram, e ainda hoje são intensas e ambivalentes, para não dizer ambíguas. De fato, os Kayapó viraram os índios mais ricos do Brasil, fechando negócios, as vezes inspirados do sistema capitalista, com madeireiras, mineradoras e empresas do setor agroalimentar (19). 19 dos nativos; esses eram capturados para se tornarem escravos ou eram por fim eliminados em "guerras justas", um aniquilamento lento e inexorável. Essa dizimação não era planejada nem organizada; ao contrário, ela se desenrolou de maneira caótica e desordenada. Durante o primeiro século de ocupação, a população portuguesa girava em torno de três mil pessoas; eram todos homens: soldados, trabalhadores qualificados na construção de engenhos ou de casas e aldeias, carpinteiros, condenados deportados, assim como alguns proprietários de terras que talvez tenham vindo com suas famílias. 3.1 As etnias e grupos linguísticos no século XV e XVI A população indígena da época dos primeiros contatos foi estimada em 5 a 6 milhões de habitantes, divididos em cerca de 1.000 a 1.300 tribos distintas, falando 800 línguas diferentes. Estes dados são baseados principalmente nas várias investigações realizadas pelos jesuítas ao longo dos muitos anos de contato que mantiveram com os nativos. O mapa abaixo mostra a distribuição geográfica de alguns grupos étnicos na época dos primeiros contatos. A maioria destes grupos faziam parte do tronco linguístico Tupi-Guarani; alguns grupos que não pertenciam nesse tronco são mencionados também. Estes últimos eram nomeados do termo genérico de Tapuias tanto pelos jesuítas como pelos colonos e os próprios Tupi; na língua Tupi, o apelido Tapuia designava um “inimigo, bárbaro, ou homem da floresta”. Essa denominação foi usada ao longo dos séculos, pelos índios como pelos portugueses, para designar todas as etnias não-Tupi, principalmente os grupos do tronco linguístico Macro-Jê. Mapa mostrando a localização aproximativa dos povos indígenas os mais importantes na época do descobrimento, entre a embocadura do rio Amazonas ao norte e o rio de la Plata ao sul. (xii) 20 3.2 A demografia indígena no século XV e hoje Estima-se geralmente que o continente americano como um todo era povoado por 80 a 100 milhões de habitantes, dos quais aproximadamente 30 milhões viviam na América do Sul, a maioria deles localizados nas regiões andinas. No atual território brasileiro, o número de nativos no momento da chegada dos portugueses foi estimado entre 5 a 7 milhões de indivíduos. Alguns estudos antropológicos acreditam que a população indígena era de 12 a 13 milhões, incluindo uma ocupação do médio e baixo Amazonas significativamente mais importante daquela estimada até o meado do século XX, que Claude Lévi-Strauss avaliou entre 7 a 8 milhões de pessoas. Duas mulheres da tribo Kayapó-Xikrin 13 pintando motivos uma a outra com tinta de jenipapo. (Autor da foto: Isabelle Vidal, 1996) (xiii) Cinco séculos de guerras, doenças importadas e exploração, devastaram a população indígena. Reduzidos a menos de 100 mil indivíduos nas primeiras décadas do século XX, perto do desaparecimento total, os índios brasileiros por sorte reverteram essa curva funesta, e agora (ano 2015) são aproximadamente 400 mil, repartidos em 170 a 200 tribos dispersas em todas as 13 Os Kayapó-Xikrin são um dos sete subgrupos do povo Kayapó; são agrupados em duas aldeias localizadas no centro-leste do Estado do Pará. O uso dos recursos naturais por esse povo é extremamente diversificado. Os Xikrin conhecem e distinguem e em detalham com precisão a fauna e a flora. Eles reconhecem não somente a diversidade biológica (variedade de espécies da fauna e da flora) como também a diversidade ecológica (variedade de ecossistemas). A conservação pela sociedade Xikrin da diversidade biológica e ecológica é de extrema importância para a perpetuação social dos conhecimentos classificatórios e simbólicos e da utilização pragmática do meio ambiente. Os Xikrin definem-se como essencialmente caçadores, apesar de sua dependência dos produtos da roça. As caças mais apreciadas são a anta, a queixada, o veado, o caititu, a paca e a cutia. Pegam jabutis em grandes quantidades e desentocam tatu. Apesar das mudanças drásticas e rápidas às quais são submetidos, os Xikrin continuam realizando a agricultura de coivara, plantando várias qualidades de batata-doce, inhame, macaxeira, milho, abóbora, mamão, bananas e algodão. Durante estas últimas décadas, mesmo com suas terras demarcadas, as áreas Xikrin têm sido alvo constante de invasões por parte de castanheiros, garimpeiros, fazendeiros ou madeireiros. A tribo Kayapó-Xikrin dá grande importância à fala e à escuta. Para eles, a escuta é diretamente ligada ao saber, ao conhecimento. Quanto à fala, ela parece ser uma arte, praticada por todas as tribos da família Kayapó, conhecida por serem kaben mei, ou seja, “aqueles-que-falam-bem”. A tribo Xikrin tem cerca de 1800 membros (20). 21 regiões do Brasil, das quais umas quinze tribos incluem menos de 50 membros. Existem ainda cerca de 50 grupos étnicos não contatados no Brasil, número maior do que em qualquer outra parte do mundo. A esses números devem ser adicionados os índios de campos ou urbanizados, geralmente aculturados, não falando mais a sua língua original, totalmente desconectados de suas culturas originais, e geralmente ignorados das instituições governamentais. O censo do IBGE (2010) indicava que cerca de 870 mil pessoas se declararam como índios, o que indica que os indígenas não tribais seriam cerca de 400 a 500 mil. Os índios representam hoje 0,4% da população do Brasil, a menor percentagem de todos os 22 países do continente americano, atrás dos Estados Unidos (0,7%). Observa-se que a Bolívia é o país com a maior percentagem de nativos (50,5% da população total). Mae e filha da tribo Yawanawá.A mae aplica as pinturas corporais sobre o rosto de sua filha para a festa ritual do mariri. A arte da pintura corporal é particularmente refinada no povo Yawanawá 14 (xiv). 14 Os Yawanawá habitam a parte sul da Terra Indígena Rio Gregório, compartilhando-a com os Katukina da aldeia de Sete Estrelas. Essa TI, localizada no município de Tarauacá, foi a primeira a ser demarcada no Acre e ocupa a cabeceira deste afluente do Juruá., nas proximidades da fronteira com a Bolívia e o Peru.. No Acre, a população é de cerca 800 pessoas; existe uma pequena comunidade Yawanawá do outro lado da fronteira: aproximadamente 140 na Bolívia e 350 no Peru. A língua Yawanawá pertence à família lingüística pano, apresentando um alto nível de inteligibilidade com a de outros grupos pano como os Shanênawa, Yaminawá, Shawãdawa e Sainawa. O nome Yawanawá significa "povo da queixada". No começo da decada de 80 os missionários da seita Novas Tribos do Brasil, estabelecidos na aldeia durante anos, foram expulsos da TI pelos próprios Yawanawá. No tempo que ficaram na aldeia, esses missionários criaram, em varias ocasiões, conflitos ao entenderem que algumas práticas indígenas, como o consumo de ayahuasca (que os Yawanawá chamam uni) ou a execução de danças rituais, por exemplo, não se adequavam na doutrina por eles pregada. Essa seita também proibia o consumo da caiçuma de mandioca, uma bebida levamente fermentada com a saliva das mulheres (em quase todas as tribos indígenas, a preparação das bebidas, sejam elas fermentadas ou não, é uma tarefa tipicamente feminina). Para informações complementares sobre o povo Yawanawá, consultar a ref. (21). 22 II A conquista do novo mundo pelos europeus nos séculos XVI e XVII (sem o Brasil) Introdução Três nações européias participaram ativamente na conquista e colonização do continente americano: Espanha, Portugal e Inglaterra. Duas outras nações, a França e a Holanda, também participaram nessa colonização, mas em escala menor e por pouco tempo. Falar-se-á aqui apenas das três primeiras nações mencionadas. As duas nações ibéricas conquistaram vastos territórios, numa busca frenética por ouro, prata, diamantes e esmeraldas, antes de efetivamente colonizar seu respectivo território. Ao invés disso, a Inglaterra seguiu um caminho diferente; ela primeiro enviou grupos de emigrantes para povoar as novas terras e torna-las produtivas. Os espanhóis estenderam suas conquistas com uma rapidez surpreendente, mas também com uma brutalidade inconcebível contra povos praticamente indefesos15. Eles enfrentaram e dominaram povos altamente estruturados, hierarquizados e culturalmente avançados, organizados social e politicamente; essas nações incluíam grandes cidades densamente povoadas, onde eram concentradas as elites. Os conquistadores logo perceberam que, eliminando os reis e as elites, os povos seriam facilmente vencidos. Foi exatamente o que aconteceu com os Astecas do México, com os Incas do Peru e em menor grau com os Maias do Yucatán e Guatemala. A conquista do Brasil pelos portugueses terá algumas semelhanças com a dos Andes e da América Central pelos espanhóis. Mas, ao contrário dos reis espanhóis, a Corte portuguesa mostrar-se-á pouco interessada pela nova colônia, mesmo que a busca pelo ouro e prata tenha começado logo no início da colonização. Os portugueses serão menos afortunados do que os Espanhóis: durante quase 200 anos não encontrarão o menor vestígio de ouro. Ao contrário das conquistas espanholas, a dominação e colonização do Brasil foram lentas e progressivas, pois precisava combater centenas de povos indígenas diferentes, que pouco a pouco recuaram para dentro das florestas e dos planaltos do interior. De fato, não tinha ali nenhuma sociedade hierarquizada e estruturada, não havia grandes cidades para dominar em batalhas 15 Durante todo o processo de conquista, os espanhóis consolidaram alianças com diversos povos indígenas; exploraram as rivalidades existentes entre certos povos, facilitando assim sua vitória. O número de aliados nativos tendia, inclusive, a superar o número de espanhóis nas batalhas. O uso de africanos também foi considerável, importância que foi aumentando à medida que se prolongava a conquista. Os conquistadores espanhóis ficaram conhecidos pela ferocidade e crueldade com que assassinavam e subjugavam os índios. Dos poucos registros sobre a dimensão da barbárie realizada, um dos mas famosos (mas não exempto de uma certa parcialidade) é o relato feito pelo frade dominicano espanhol Bartolomé de Las Casas (O paraíso destruído: brevíssima relação da destruição das Índias) destinado ao príncipe Felipe, o futuro Felipe II da Espanha. Para uma apresentação sobre esse têma, ver: Lucas Borges de Carvalho : “Direito e barbárie na conquista da América Indigena”, disponivel aqui: http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/32329-38795-1-PB.pdf Ver também: Tzvetan Todorov, “A Conquista da América - A Questão do Outro” , obra citada na pág. 3.
Uma breve Historia dos indigenas do Brasil - Page 18
Uma breve Historia dos indigenas do Brasil - Page 19
viapresse